Divulgação Científica

Como processo de urbanização afeta evolução de plantas em escala global

Cientistas da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) participaram de pesquisa global para compreender como a urbanização está transformando o meio ambiente
Por Thiago Cardassi Publicado em: 18/05/2022 17:05 | Última atualização: 18/05/2022 17:05

Nas últimas décadas, cientistas, geógrafos e pesquisadores da ecologia vêm desenvolvendo uma série de estudos para entender melhor os impactos do processo de intensa urbanização pelo qual o planeta atravessa. Entre os diversos questionamentos levantados, uma das preocupações é compreender a capacidade das formas de vida de se adaptarem às mudanças nos ecossistemas. Recentemente, uma iniciativa envolvendo cientistas de várias partes do planeta, entre eles, pesquisadores da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), trouxe novas evidências de que a ação humana e o desenvolvimento urbano estão orientando a evolução de espécies vegetais em escala mundial.

Destaque de capa da revista Science, um dos mais prestigiados periódicos científicos internacionais, a pesquisa investigou os impactos das alterações no meio ambiente a partir da análise do comportamento de uma pequena planta conhecida como trevo-branco (Trifolium repens). A espécie foi escolhida pelo fato de estar presente por todo o planeta, característica que permitiu aos pesquisadores comparar os efeitos da urbanização em diferentes cidades à nível global e sob perfis climáticos diversos.

No Brasil, amostras destes trevos foram coletadas nas cidades de Santa Maria (RS) e Curitiba (PR). Em seguida, diferentes populações da espécie foram comparadas no esforço de compreender como as cidades podem influenciar na evolução biológica. Usando o mesmo método e técnicas de análise, cientistas de todo o mundo coletaram mais de 110.000 amostras de trevos em 160 cidades e áreas rurais próximas e sequenciaram mais de 2.500 genomas daquelas plantas.

Uma das características da espécie é sua capacidade de produzir substâncias tóxicas com o objetivo de evitar que animais herbívoros se alimentem dela. Em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, o pesquisador Fabio Angeoletto, professor da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e um dos co-autores do trabalho, explica que neste tipo de planta, dois trechos separados do DNA servem para a produção de cianeto de hidrogênio, veneno responsável por protegê-la de predadores naturais. Contudo, os testes revelaram que os trevos-brancos das áreas urbanas possuem mutações que desativam estes genes ligados à produção da substância. Os resultados da pesquisa apontam para o fato de que, na ausência de um alto número de predadores herbívoros, os trevos que crescem nas áreas urbanas não precisam gastar energia metabolizando este veneno. Por outro lado, nas áreas rurais, ainda é comum a presença de plantas nas quais os genes ainda são funcionais.

Com estas observações, os pesquisadores foram capazes de observar o nível de adaptação global às cidades, mas também de identificar a base genética dessa adaptação e os fatores ambientais da evolução biológica da espécie estudada. Os resultados indicam que os processos de urbanização estão transformando cada vez mais os ambientes naturais em ecossistemas únicos, os quais a biodiversidade do planeta nunca experimentou. E estas alterações estão modificando de forma significativa as formas de evolução da vida.

As conclusões da pesquisa possuem aplicações na conservação da biodiversidade e na saúde humana. Em entrevista ao jornal A Tribuna, os cientistas coordenadores da pesquisa, Rob Ness, James Santangelo e Marc Johnson, destacaram que “muitas espécies ameaçadas de extinção ocorrem em ecossistemas urbanos, mundialmente. Compreender se essas espécies podem se adaptar aos estresses ambientais imposto pela urbanização é essencial para desenhar estratégias de manejo que possam facilitar a conservação dessas espécies. Por outro lado, muitas espécies de pragas e vetores de doenças (por exemplo, ratos) também ocorrem nas cidades e podem representar riscos à saúde humana. Saber se e como essas espécies estão se adaptando biologicamente às cidades pode nos ajudar a minimizar seus impactos no bem-estar humano”.

A investigação fez parte do projeto Global Urban Evolution (GLUE), ligado à Universidade de Toronto. De acordo com o cientista líder do projeto, o ecólogo Marc Johnson, este pode ser considerado o maior estudo já realizado a respeito do processo de adaptação biológica ao espaço urbano e evolução paralela. O projeto teve início em 2018 com um tuíte de Johnson convidando cientistas de todos os continentes a participarem da pesquisa, que acabou por construir uma rede de 288 cientistas em 26 países e 160 cidades. Esta experiência pode ser considerada um modelo para a ciência inclusivauma vez que a equipe foi dividida igualmente entre mulheres e homens e incluiu não apenas pesquisadores estabelecidos, mas também estudantes de todos os níveis e de todos os continentes habitados do planeta.

Entre os co-autores da pesquisa estão seis cientistas brasileiros, sendo dois deles vinculados ao Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO) da UFR: o professor Fabio Angeoletto, doutor em ecologia e meio ambiente pela Universidade Autônoma de Madrid, e Deleon Leandro, mestre em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso. Juntos à Marc Johnson, os pesquisadores criaram um blog para promover a divulgação científica das pesquisas do projeto Global Urban Evolution. Para conhecer melhor os trabalho desenvolvidos pela equipe, é possível acessar as informações por meio deste endereço eletrônico.

O artigo intitulado Global urban environmental change drives adaptation in white clover está disponível na internet e pode ser lido na íntegra no website da revista Science.


Capa da revista Science com destaque para a pesquisa em que cientistas da UFR participaram