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Dia de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+

Por Thiago Cardassi Publicado em: 17/05/2024 16:05 | Última atualização: 17/05/2024 16:05

Nesta quarta-feira, 17 de maio, celebra-se internacionalmente o Dia de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+. A data é um marco na promoção da cultura do respeito e entendimento sobre todas as formas de expressão da sexualidade, mas também uma oportunidade para reforçar o enfrentamento às violências, discriminação e repressão que as comunidades LGBTQIA+ ainda se veem submetidas. Acima de tudo, o 17 de maio é um movimento à nível mundial pensando para estabelecer pontes afirmativas de diálogo com a mídia, legisladores, opinião pública e sociedade civil a respeito dos direitos de livre expressão sexual e de identidades de gênero.

No Brasil, a data foi incluída por meio de decreto no calendário nacional desde 2010 que institucionalizou o Dia Nacional de Combate à homofobia. Apesar da nomenclatura datada, a  tendência atual é compreender a luta dentro de um espectro maior, ampliando-a para uma série de atores sociais com singularidades e demandas específicas. Neste sentido, deve-se tomar a data como um dia de combate contra todo tipo de crimes de ódio dirigidos às pessoas cuja sexualidade, afetividade e/ou gênero difere da normativa.

O 17 de maio foi escolhido como referência, pois foi neste dia que, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Até então, as chamadas “sexualidades dissidentes” eram consideradas como distúrbios mentais e, portanto, tratáveis. Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) formalizou em resolução, o entendimento de que, para a psicologia, as diferentes expressões de sexualidades fazem parte da construção da identidade de cada sujeito e, por isso, essas práticas não constituem doença, distúrbio ou perversão, entendimento que hoje é ampliado para outras formas de expressão da sexualidade e de gênero. Em 2019, a transexualidade finalmente foi retirada do catálogo de transtornos psiquiátricos.

Dias de luta e dias de celebração:

O 17 de maio é dedicado a relembrar os enfrentamentos, mas também para celebrar as conquistas obtidas por meio destas lutas. Este é o caso da professora e historiadora Linscker Marim, que colou grau nesta sexta-feira (17) pelo curso de licenciatura em história da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR). Hoje, ela celebra não somente sua conquista pessoal, mas o fator simbólico que é reforçado todas as vezes em que uma travesti ocupa espaços públicos das quais foram historicamente separadas.

“Minha formação é uma conquista pessoal, mas também um marco coletivo. Cada passo dado, cada desafio superado, cada diploma conquistado é uma vitória compartilhada com todas as pessoas trans que vieram antes de mim e com aquelas que ainda estão lutando por seus espaço”, explica Linscker.

Durante sua trajetória acadêmica, a estudante e artista dedicou-se à produção de estudos que exploram as experiências de corpos trans no contexto da América Latina, com o objetivo de trazer essas discussões para a universidade. Seu trabalho de conclusão de curso Vozes Silenciadas, Narrativas Emergentes: Um Estudo sobre a Produção Audiovisual Trans, detalha o processo de concepção da videoarte Emaranhados Psíquicos, que integrou sua primeira exposição individual, intitulada Entre fios&tramas: TRANSgresões de gênero.

O projeto foi selecionado e financiado pelo Edital Re-farm Cria: Edição Moda, uma parceria entre a Farm Rio e o Instituto Precisa Ser. Parte do material produzido, incluindo as obras, o catálogo e os registros da instalação, pode ser acessada por meio do endereço eletrônico www.transgressoesdegenero.com bem como no Instagram @transgressoesdegenero.

Linscker Marim colou grau hoje, 17 de maio: “Quero incentivar meus estudantes a questionarem normas e a valorizarem a pluralidade de experiências humana”, afirma a professora e historiadora

Linscker compreende a educação como uma poderosa ferramenta de transformação social e acredita que sua presença nas salas de aula servirá não apenas como um ato de resistência, mas também como um farol de esperança para muitos jovens que enfrentam situações semelhantes. “Em um país onde o índice de evasão escolar entre pessoas trans chega a alarmantes 82% ainda na educação básica, estou aqui para mostrar, mais uma vez, que é possível construir novas realidades para nossa comunidade. Após uma longa jornada universitária, hoje, em uma data tão significativa para a comunidade LGBTQIAPN+, torno-me oficialmente apta ao exercício da docência. Como corpo dissidente, estou consciente dos desafios que enfrentarei ao ingressar em espaços educacionais em um país onde o pensamento conservador e retrógrado sobre questões de gênero tem ganhado força. Apesar das barreiras institucionais e dos preconceitos enraizados, meu compromisso é inabalável. […] Quero ser uma referência positiva, mostrando que a resiliência e a determinação podem superar obstáculos aparentemente intransponíveis”, afirma a professora e historiadora.

Marcas da Violência

O Brasil apresenta altos índices de violência e mortes com base em desigualdades estruturais, tais como ocorre entre a população negra e com as mulheres. Mas o Brasil também é citado frequentemente como o país que mais mata LGBTQIA+ no mundo, com uma morte a cada 38 horas, no ano de 2023. De acordo com o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+, cerca de 230 pessoas morreram no ano passado pelo simples fato de possuírem sexualidades diferentes da “socialmente esperada”. Travestis e mulheres transexuais lideram a lista com 61,74% das vítimas.

O psicólogo Márcio Alessandro Neman do Nascimento, professor do curso de psicologia da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) explica que, para além das mortes, grande parte das violências são veladas. Ainda hoje grupos estigmatizados e atravessados por marcadores sociais possuem maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho ou de ocupação de cargos de importância em razão de seu gênero, de sua cor de pele, mas também por conta da sexualidade. “Esta é uma violência que tem um efeito social muito forte, uma vez que empobrece o mundo do trabalho e a própria vida no momento em que impede a inserção de pessoas que são plenamente qualificadas de ocupar um espaço em detrimento de características que não deveriam interferir em sua colocação, mas que as encerram em uma posição de desvantagem no acesso ao mercado, à universidade, à educação básica e ao reconhecimento social”.

Além disso, “o conceito de bullyng tão discutido atualmente é uma palavra complicada porque iguala diferentes tipos de violência que, na verdade, possuem nome próprio. A palavra parece suavizar a prática de crimes de ódio, violência, racismo, LGBTQIA+fobia, gordofobia, entre outras, que dificultam a socialização de crianças adolescentes e atrasam seu desenvolvimento”, pontua o professor.

O professor do curso de psicologia da UFR, Márcio Neman (ao centro, de casaco verde), trabalha com o estudo de sexualidades, corporalidades e gênero e participa de movimentos sociais desde 2003

É importante lembrar que, desde 2019, a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável no Brasil. A determinação está atrelada à Lei de Racismo (7716/89), que prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. A lei contra a homofobia contempla atos de “discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”, fazendo com que todas pessoas LGBTQIA+ sejam contempladas.

Márcio Neman esclarece que o Brasil segue em consonância com as tendências internacionais de defesa dos direitos humanos no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos. Todas as políticas públicas relacionadas aos direitos das pessoas LGBTQIA+ são diretrizes tanto nacionais quanto internacionais. “É um aspecto importante que a gente entenda que, no mundo ocidental, alguns grupos politicamente interessados possam tentar diminuir ou suprimir esses direitos, contudo, eles seguem sendo construídos e apoiados por instâncias internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), das quais o Brasil é signatário”, pontuou o professor.

Apesar das singularidades, todas as lutas desejam respeito

O enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+ envolve diferentes atores sociais e segmentos de movimentos políticos. Ainda existe muita confusão e tabus no que se relaciona ao assunto e à nomenclatura utilizada. Nos últimos anos a sigla se expandiu para abarcar cada vez mais lutas que, entretanto, transitam em torno de um eixo atravessador.

Atualmente, a sigla mais utilizada é LGBTQIA+, que engloba nominalmente Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais e Travestis, Queers, Intersexuais, Assexuais e outras identidades de gênero ou orientação sexual não compreendidas pelas letras da sigla, representadas pelo sinal de adição. Contudo, existem outras versões ampliadas da sigla que aglutinam ainda mais lutas correlacionadas.

Para melhor compreensão, a ilustração abaixo expressa graficamente as diferenças entre orientação sexual, sexo biológico, identidade de gênero, e expressão de gênero.

O psicólogo Márcio Neman, explica que pensar um mundo melhor considerando apenas a heteronorma é uma forma injusta de pensar uma vida mais ampla, prazerosa e equitativa. Na visão do professor, todas essas questões andam juntas e são atravessadas umas pelas outras, não sendo possível pensar um enfrentamento desvinculado de outras pautas.

“As lutas nos movimentos sociais atualmente não andam só. Lutar pelo movimento LGBTQIA+ tem relações intrínsecas com outros movimentos sociais e implica numa luta compartilhada em diferentes frentes, uma vez que os LGBTQIA+ estão incluídos em todas as outras categorias, como as questões raciais, das mulheres, da infância e juventude, do idoso, das pessoas vivendo com HIV/Aids… Todas essas lutas trazem em pauta não apenas a sexualidade, mas o direito e plenitude de uma vida digna”.

A professora e historiadora Linscker Marim acredita que criar ambientes mais acolhedores e inclusivos, também é pavimentar o caminho para uma sociedade mais justa e igualitária. “É com essa visão que entro na docência, não apenas para ensinar conteúdos acadêmicos, mas para instigar a reflexão crítica sobre diversidade, respeito e inclusão. Quero incentivar meus estudantes a questionarem normas e a valorizarem a pluralidade de experiências humanas. Sei que a estrada será árdua e que enfrentarei resistência, mas estou preparada para cada batalha. Com a ‘fúria de uma travesti’, transformarei cada desafio em uma oportunidade de crescimento e aprendizagem, tanto para mim quanto para aqueles ao meu redor. Juntos, podemos construir um futuro onde todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, tenham a oportunidade de alcançar seus sonhos e potencialidades”, conclui a historiadora.

Cine PET realiza festival de Curtas LGBTQIAPN+

Nesta sexta-feira, em celebração do Dia de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+, o projeto CinePET apresenta uma edição especial com exibição de três curtas-metragens que dão visibilidade para discussões acerca das sexualidades dissidentes. O evento é gratuito e aberto para todos. A sessão tem início às 17h e segue até às 20h. As inscrições podem ser feitas durante o evento. Para mais informações a respeito do programa é possível entrar em contato pelo endereço: 2016.pet@gmail.com.