Licenciatura intercultural formará educadores indígenas em Mato Grosso
Na última sexta-feira, 30 de agosto, teve início a primeira turma do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR). Composto por estudantes indígenas de diversas etnias, o curso tem o objetivo de formar professoras e professores em uma perspectiva interdisciplinar e intercultural para lecionarem nas redes públicas de educação básica ou redes comunitárias.
Vindos de diferentes regiões de Mato Grosso, os(a) estudantes já haviam começado a chegar na noite anterior. Alguns viajaram por dois dias até chegar em Rondonópolis. O coordenador do curso, professor Ariel dos Santos, celebrou a alta procura pelo curso e estima que foram realizadas uma centena de inscrições provenientes de mais de 25 cidades do estado.
Elizete Borobó Rondon é Boe Bororo de Tadarimana e revela que estava ansiosa para o primeiro dia de aulas. Ela conta que este é um sonho que se realiza, pois nunca tiveram acesso ou condições de realizar um curso superior. Elizete quer se tornar professora e acredita que a educação é importante para manter viva a cultura, a força e a tradição de seu povo.
No período matutino, os(as) alunos(as) receberam as boas-vindas dos docentes do curso e iniciaram os estudos na primeira disciplina: etnolinguística. À noite, foi realizada a aula inaugural no Centro de Vivências com o professor Antônio Jukureakireu (Boe Bororo/Tadarimana), a pedagoga Angelica Pereira Tiare (Boe Bororo/Tereza Cristina) e o secretário geral do Diretório Central de Estudantes (DCE) da UFR, Raphael Silva Lopes Potiguara (Potiguara/Paraíba).
No dia seguinte, foi realizada uma atividade de plantio de árvores nativas da região como marco do início do curso. Estudantes e professores plantaram seis árvores no terreno atrás do prédio do NEATI. A iniciativa recebeu autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) que enviou um engenheiro ambiental para realizar o registro e localização das árvores para acompanhar o crescimento.
O coordenador Ariel considera que a aprovação do curso faz parte de iniciativas para pôr em movimento um processo reparatório da sociedade para com os povos originários, uma vez que Rondonópolis é uma cidade que foi erguida em terras indígenas. Com esta ação “[…] a gente está, mesmo com todas as dificuldades, tentando empurrar um pouco dessa história para o seu devido lugar”, avalia o docente.
A coordenadora institucional do PARFOR/UFR, professora Talitta de Freitas, analisa que, apesar da proximidade com Tadarimana, ainda são poucos os estudantes indígenas nos cursos regulares da universidade. Para transformar essa realidade, o curso foi elaborado de forma participativa com ao menos cinco etnias de Mato Grosso (Boe, Xavante, Bakairi, Tapirapé e Kanela). A professora explica que foram realizados vários encontros, com visitas presenciais e virtuais que contaram com a participação de lideranças e profissionais que atuam diretamente com a formação em escolas indígenas.
“O objetivo foi estruturar um curso que garantisse, aos diferentes grupos étnicos, o acesso e permanência a um ensino superior diferenciado e que respeite as suas particularidades linguísticas, culturais, de saberes e modos de vida. E, após tantas trocas e aprendizados mútuos, chegamos finalmente ao momento em que a Universidade Federal de Rondonópolis recebe a sua primeira turma exclusivamente de estudantes indígenas”, celebra Talitta.
Um dos desafios que se apresentam para a universidade é aprender a lidar com diferentes etnias ao mesmo tempo. De modo geral, os cursos de licenciatura indígena ofertados pelas universidades públicas, além de distintos entre si, prezam pelo respeito às diferenças interculturais e territoriais de cada etnia. A diretora do ICHS, professora Beatriz de Oliveira, aponta que este é “[…] um desafio daquilo que a gente defende como a pluralidade, como parte constituinte da universidade. Então, ao longo da próxima semana, a gente vai ter um exercício prático do que é essa pluralidade. Uma diversidade de etnias diz muito sobre uma diversidade de modos de ver o mundo. E a gente precisa compreender que o modo de ver o mundo pautado na cultura do capital é apenas um, não é o único”, explica a diretora.
A Licenciatura Intercultural Indígena é uma iniciativa do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFR e foi viabilizada por meio de edital do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), do Governo Federal. O curso tem duração de quatro anos e é ofertado na modalidade de ensino presencial, em regime de alternância, considerando o tempo-universidade e o tempo-comunidade. Ao longo destes anos, os estudantes passarão parte da carga horária na universidade e parte em suas comunidades de origem.