Aquele em que seguimos lutando juntos!

Vivemos dias em que sabemos que estamos diante da história sendo feita e é necessário que ela seja registrada e lembrada no seu processo, com os seus agentes de luta e resistência. E a escrita dessa história, é preciso sempre lembrar, é feita por diversas mãos, em diferentes espaços e tempos, mas sempre orientados pelo mesmo propósito: cumprir com a função social da Universidade pública de oferecer um ensino de qualidade para todos, sem exceções! E seguimos nos enfrentamentos diários para que essa frase saia do discurso e se transforme em prática.

O curso de Licenciatura Intercultural Indígena é um projeto há tempos almejado pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais, especialmente quando consideramos que Rondonópolis foi criada em terras indígenas e que, apesar da proximidade com Tadarimana, ainda são pouquíssimos os nossos estudantes indígenas nos cursos regulares ofertados pela Instituição. Assim, a conta não fecha e não faz sentido. Se há uma universidade pública a menos de 50 km de distância, por quais motivos esses potenciais estudantes procuram formação em outros espaços geograficamente distantes de suas terras? Uma verdade que aprendemos a duras penas é que a proximidade física não significa, necessariamente, uma proximidade real, mas estamos aqui para mudar isso, mesmo tendo que atuar nas brechas, enfrentar a falta de infraestrutura e tendo algumas portas fechadas no caminho.

O lançamento do Edital PARFOR Equidade em 2023, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foi a oportunidade necessária para que o projeto saísse do papel. Reconhecendo a urgência de ações nacionais direcionadas para a formação docente em áreas anteriormente negligenciadas, o seu objetivo foi, dentre outros, oferecer a oportunidade de acesso à formação de nível superior aos professores indígenas, quilombolas e do campo, ou que atuam na educação de surdos e na educação especial inclusiva nas redes públicas de educação básica e/ou nas redes comunitárias de formação por alternância. Evidentemente gostaríamos de ter pernas e braços para enviar um projeto para cada uma das áreas possíveis deste edital, mas estamos felizes em ter conseguido a aprovação de dois cursos, com 30 vagas cada, concorrendo nacionalmente com centenas de instituições de ensino superior.

Para a elaboração do projeto de curso, diversos encontros foram realizados com pelo menos cinco etnias do Estado de Mato Grosso (Boe, Xavante, Bakairi, Tapirapé e Kanela), com visitas presenciais e virtuais que contaram com a participação de lideranças e profissionais que atuam diretamente com a formação em escolas indígenas. O objetivo foi estruturar um curso que garantisse, aos diferentes grupos étnicos, o acesso e permanência a um ensino superior diferenciado e que respeite as suas particularidades linguísticas, culturais, de saberes e modos de vida. E, após tantas trocas e aprendizados mútuos, chegamos finalmente ao momento em que a Universidade Federal de Rondonópolis recebe a sua primeira turma exclusivamente de estudantes indígenas.

Em nossa primeira visita à escola indígena situada em Tadarimana, em primeiro de novembro de 2023, fomos recebidas, ainda com certa desconfiança, por lideranças e professores que se dispuseram a ouvir a nossa proposta de criação de um curso Intercultural Indígena. Nesse momento, ainda não tínhamos muitas coisas estruturadas, conhecíamos o Edital e as experiências de outras instituições de ensino, mas estávamos ali dispostas a ouvir e aprender. E que bom que o processo se deu dessa maneira! Pudemos conhecer as demandas e as expectativas daqueles que fariam o trajeto junto conosco, lado a lado, mesmo que para isso fosse necessário lutar e resistir. Plantamos juntos a semente de um futuro mais inclusivo e diversificado, e hoje temos a oportunidade de ver os primeiros galhos tomando forma. Em momento de extremo cansaço e com os prazos apertados, foi a promessa que fizemos nessa, e em outras tardes, que nos deu ânimo para continuar noite adentro, dia após dia. Afinal, a palavra dita ganha o mundo e não pode ser recolhida.

Após meses de espera, burocracias e preparação, temos o privilégio de acompanhar as primeiras aulas do curso de Licenciatura Intercultural Indígena, no Laboratório de Práticas do ICHS. Esse é um curso que nos emociona, resultado de uma linda construção entre o Instituto de Ciências Humanas e Sociais e os povos indígenas de todo o estado de Mato Grosso. A aprovação deste curso, mesmo que no momento seja de apenas uma turma, evidencia que, por meio de muitos enfrentamentos, vamos fazer com que a Universidade cumpra a sua função social e estamos felizes de conseguir efetivar esse projeto com a parceria de diferentes grupos, dentre eles o Diretório Central dos Estudantes (DCE), os centros acadêmicos do ICHS e da FACAP, que generosamente abriram as suas portas para acolher, durante quase duas semanas, os estudantes indígenas que vieram iniciar os seus estudos. A essas representações estudantis o nosso muito obrigada e as nossas mais sinceras desculpas pelos processos, por vezes, atravessados.

A aula inaugural, que acorreu no dia 30 de agosto de 2024, no Centro de Vivência, se transformou em uma celebração. Ministrada por Antônio Jukureakireu (Boe Bororo / Tadarimana), Angelica Pereira Tiare (Boe Bororo / Tereza Cristina) e Raphael Silva Lopes Potiguara (Potiguara / Paraíba) tivemos a oportunidade de ouvir e aprender com pessoas de notório saber, em diferentes etapas de suas formações/atuações profissionais. Temos a esperança que nós, indígenas e não indígenas, possamos cada vez mais realizar a trocar conhecimentos e nos tornamos pessoas mais preparadas para as nossas jornadas coletivas e individuais, construindo juntos a sociedade que gostaríamos de viver, de deixar para as próximas gerações e que orgulhasse aqueles que vieram antes de nós. Seguimos na luta!

E se você quer acompanhar as atividades deste curso, não deixe de seguir o Instagram do PARFOR/UFR @parfor.ufr e acessar o site www.ufr.edu.br/especialinclusiva. Afinal, a gente vai colorir ainda mais esta universidade e tá todo mundo incluído nessa missão social!